Se tivesse coragem, hoje eu saberia dançar
Ou: o que você pode fazer pelas pessoas que precisam de mais autoconfiança.
Eu não sei dançar
Essa é uma ideia cristalizada na minha cabeça e que já foi reconfirmada por diversas pessoas ao meu redor. Eu não sei dançar, sou desengonçado, não tenho ritmo etc.
Se eu tivesse uma mentalidade fixa (e às vezes é muito difícil escapar disso), acreditaria que esse é um fato sobre mim e que jamais escaparei dele. Porém, eu tento cultivar uma mentalidade de crescimento e compreendo que seres humanos têm o potencial de se desenvolver em qualquer área, desde que coloquem esforço nisso. (A fonte dessa ideias das mentalidades é o livro Mindset, de Carol Dweck)
Eu ainda não sei dançar
Já contei pelo menos duas vezes aqui no Medium sobre a vez que fiquei com medo de dançar porque achei que seria ridículo dançar sozinho (Um ensaio sobre autoestima e Quem se importa se você vai à festa — esse segundo texto tem três outras histórias lindinhas).
O que eu não contei ainda foi a vez que decidi fazer um curso de dança.
Morava em Goiânia e já sabia que dançar era um ponto fraco. Eu convivia bastante com uma amiga que tinha o mesmo dilema — no caso dela, pra piorar, a namorada dança que é uma maravilha. Daí soubemos que um centro de artes público oferecia aulas de dança gratuitas. Era o contexto perfeito: um espaço em que ninguém nos conhecia e no qual não gastaríamos dinheiro apenas para confirmar nossa incompetência.
Decidimos nos apoiar um no outro e fomos juntos. Sozinhos, jamais enfrentaríamos um curso de dança, pensa no ridículo que seria — bem, pelo menos era isso que eu imaginava na época.
Acontece que para entrar no curso havia um processo seletivo. “Deve ser pra separar quem já sabe dançar de quem realmente precisa do curso básico”, minha amiga e eu pensamos. Com essa ideia em mente, nós fomos ao dia do processo seletivo.
Era muita gente, algo na proporção de dez pessoas por vaga. Nos entreolhamos e decidimos continuar. Já estávamos ali, não tinha como piorar, tinha?
Pois tinha.
O processo seletivo começou e eles foram chamando cerca de 30 pessoas por vez em uma sala. Minha amiga e eu espiamos por uma fresta e vimos os instrutores dizendo para as pessoas dançarem como elas sabiam, sem se preocuparem em fazer certo. Uma onda de alívio se passou por nós. Seria possível, era só a gente mostrar que não sabíamos muita coisa, estávamos ali um pelo outro, tudo daria certo… Aí a música começou e todas as pessoas pareciam dançarinas profissionais. Giravam, rodopiavam, saias voavam, passos firmes, aquela magia toda de quem dança e dança bem.
Esse grupo saiu da sala e uma nova leva de 30 pessoas entrou. A experiência se repetiu. As pessoas sabiam dançar. Nós seríamos ridicularizados se entrássemos. Aquele não era um lugar para pessoas como nós. Onde estávamos com a cabeça em sequer imaginar que poderíamos estar ali?
Colocamos nossos rabos entre as pernas e fomos embora.
Daquele dia em diante, aceitei como uma verdade fundamental sobre mim: eu não sei dançar.
Trilha sonora opcional para continuar a leitura:
Você dança?
Eu acompanho meu sensei de aikido em demonstrações e práticas para quem nunca treinou antes. Numa dessas demonstrações, uma das participantes ficou maravilhada com a leveza da arte e veio conversar comigo.
“Você dança?”, ela perguntou. Eu ri de nervoso, acionei todos os alarmes de é claro que não olha pra mim bem capaz que eu danço não tá vendo esse flashback todo que tá rolando na minha cabeça?
Respondi que não. Ela retrucou:
“Eu tenho um olho pra isso, e acredita em mim, você dançaria muito bem. Ballet, mesmo. Você tem um jeito delicado e preciso de se mover, bem coisa de bailarino. Se tiver a chance, experimenta, vai a uma aula de teste, só pra ver como você se sente. Acho que vai gostar”.
Sabe aquela ideia fixa de que eu jamais seria capaz de dançar? Ganhou uma rachadura neste momento.
Agradeci com um sorriso amarelo e a vida seguiu, mas a semente estava plantada.
Como cuidar de quem precisa de cuidados
Adoro e morro de inveja das pessoas que exalam autoconfiança. São aquelas pessoas que gritam Eu quando pedimos voluntários, que veem uma festa legal e se jogam mesmo sozinhas, que não hesitam antes de perguntar algo que não esteja fazendo sentido e que lançam projetos incríveis no mundo.
Por muitos anos, eu não fui essa pessoa.
Hoje em dia, minha meta é cada vez mais confiar em mim mesmo e me tratar com todo o amor, cuidado e carinho com que tento tratar minhas melhores amigas. Se jamais diria para elas coisas como “você não é capaz de dançar” ou “esse projeto nunca dará certo”, de onde tiro a pachorra de dizer isso pra mim mesmo, a pessoa que passa mais tempo comigo?
Acontece que muita gente precisaria de um pouco mais de autoconfiança para ser mais feliz. Autoconfiança é aquela coisa autoproduzida que nasce quando acreditamos que somos dignos de coisas boas, que temos valor. Sabe aquela coisa de a gente aceita o amor que acha que merece?
A autoconfiança é a medida do que a gente acha que merece.
Se estamos acostumados a ouvir do mundo que não merecemos ou que não somos bons o suficiente (para o que quer que seja), acabamos acreditando nisso e nos contentando em ser menos do que podemos. A gente pode (e merece) o mundo.
Daí a pergunta é: num mundo com pessoas que precisam de mais autoconfiança, como cuidar para que todos sejam bem-vindos? A gente estende a mão, sorri e oferece um pouco da nossa confiança.
Estou observando isso na Oficina de Carinho, que para muita gente é uma ideia meio esquisita (mas mesmo assim vai rolar dia 18 de novembro em São Paulo [e depois no Rio e em Vitória]) e até amedrontadora. Quando a gente acredita que não dá conta de abraçar, vira profecia autorrealizada.
Quando não sei se terei a coragem necessária para fazer alguma coisa, o que me ajuda são sistemas desenhados para me apoiar. No caso da Oficina de Carinho, antes de qualquer toque nós entenderemos a importância e a potência do consentimento e de só dizer sim para aquilo que cabe dentro dos nossos limites e interesses atuais.
No caso do curso de dança, poderia haver — se fosse a intenção — um espaço reservado para acolher e conversar com pessoas que ainda não dançassem, que mal conseguissem dar passinho pra cá passinho pra lá sem tropeçar. Ambientes que trabalham com a lógica do “se vira” são hostis a quem não consegue preencher sozinho o buraco da autoconfiança.
Acho que é por isso que, de todos os níveis de escritores, eu gosto tanto de trabalhar com iniciantes. Em geral, são pessoas que esqueceram que são incríveis e o meu trabalho é lembrá-las disso.
Existe em mim o potencial para um Tales que sabe dançar, ou que pelo menos se sente confortável em mexer o corpo em público. Só o que preciso, agora, é encontrar um ambiente que escolha me acolher. E se não existir, como há três anos não havia para escritores, sou capaz de criá-lo.
❤